Carreira da Índia
Crónicas de uma aventura pela Índia, contada a dois, por Sérgio Lopes e Sandra Saraiva
Depois de Chandni Chowk, do caos e das ruas estreitas. Depois dos carros, dos riquexós e das motas engalinhadas. Depois dos mapas deixarem de fazer sentido. Depois de 700 km… Chegámos a uma espécie de oásis indiano, chegámos a Amritsar, cidade santa dos Sikhs.
“Gobind Saraaey” – Com o papel na não que o Gullu nos tinha escrito, tentámos dizer ao cycle-rickshaw que queríamos ir para o Golden Temple, para a zona dos dormitórios para os peregrinos. Abanou a cabeça naquele indecifrável jeito indiano. Será que percebeu?
A meio do caminho tivemos, antes de atravessarmos a ponte, para grande surpresa tivemos de descer do riquexó. A inclinação da rua era acentuada. Mãos à obra, lá ajudámos o senhor a empurrar o riquexó rua acima.
As camaratas são simples e as camas duras, mas suficientes para passarmos a noite em tranquilidade… no Harmandir Sahib (Golden Temple).
A generosidade e o desprendimento com que os peregrinos se entregam às tarefas comunitárias são indescritíveis! Todos os dias à noite, quando grande parte dos peregrinos repousa e já depois da cerimónia de recolha do livro sagrado, um conjunto de voluntários esfrega minuciosamente a parte principal do templo, Hari Mandir Sahib, construída com 750 Kg de ouro! Para a tarefa de limpeza usam um único ingrediente específico, leite! A julgar pela forma com o brilha, aos primeiros raios de sol, o ingrediente produz extraordinários resultados!
Levantámo-nos às 5 da manhã para ver o sol erguer-se por detrás do templo! Era demasiado cedo, ainda era noite cerrada! Contudo, o Golden Temple parece não ter dormido. Centenas de peregrinos banhavam-se nas águas do lago Sarovar, a piscina do néctar imortal.
Em sinal de respeito as pessoas devem sentar-se, nas margens da “piscina” com as pernas cruzadas, o que para um ocidental de fraca flexibilidade é tarefa quase impossível!
Enquanto vagueamos pelas margens, convidam-nos para um chaí. Numa sala com condições mínimas os peregrinos, sentados no chão, bebem chaí e comem pequenos pedaços de pão! Juntámos-mos… Podemos ver a cara de espanto quando veem dois ocidentais partilhar aquele espaço com eles, somos olhados com uma curiosidade genuína!
As roupas simples que os peregrinos envergam, indiciam que uma parte substancial virá das aldeias remotas da Índia, principalmente do estado de Punjab, onde cerca de 60% por cento da população segue a religião Sikh! Imagino que muitas destas pessoas nunca tenham visto ao vivo alguém tão diferente como nós, principalmente tão branquinhos! Somos alvo constante de olhares e mais fotografados que muitas das estrelas de bollywood! Muitas das vezes perguntam se podem tirar uma foto, outra vezes tiram e pronto! Se conversamos mais demoradamente com alguém, rapidamente à nossa volta se aglomeram outras gentes curiosas!
Gostam que lhes tiremos fotografias, mas gostam sobretudo de as ver no LCD da máquina!
As portas do tempo, abertas aos quatro pontos cardeais, simbolizam a abertura do templo a todas as religiões e nacionalidades. As camaratas estão abertas aos peregrinos, assim como a cantina comunitária, mantida exclusivamente com o trabalho voluntário e doações dos peregrinos. Diariamente, nesta gigantesca cozinha, são confecionadas entre 60 a 80 mil refeições, num extraordinário e bem organizado trabalho de equipa. O barulho timoneiro que se ouve em continuo, é produzido por centenas de movimentos ritmados, quase coreografados, da lavagem metálica da louça, onde, antes, nos serviram lentilhas (Dahl), pão chapati, água e um arroz doce temperado com cocô (kheer).
Agora que escrevemos algumas linhas a milhares de km de distância, podemos dizer que foi dos sítios mais emocionantes na Índia e talvez das experiências mais genuínas que tivemos ao longo das nossas viagens!
[…] 6 – Ao sabor do tempo e do templo dos Sikhs […]