Aterramos no pequeno aeródromo de São Filipe, no Fogo, acompanhados pelo sotaque americano que invadiu o crioulo falado pelos emigrantes que no regresso à terra trazem malas carregadas de saudade, mas também, e imaginamos nós, de prendas e novidades.
Atualmente a população de Cabo Verde encontra-se espalhada pelos quatro cantos do planeta, há até quem lhe chame a 11ª ilha. Calcula-se que vivam na diáspora cerca de 500 mil cabo-verdiano, mais do que a população que habita o arquipélago. A Ilha do Fogo não é exceção, sendo uma das ilhas com mais população emigrada.
Se o nome de Cabo Verde que batizou todo um arquipélago nos intriga, devido à óbvia contradição com a tonalidade acastanhada que vemos a cada ângulo, já na Ilha do Fogo facilmente se adivinha de onde surgiu a inspiração para o nome.
Paisagem lunar da caldeira do Vulcão do Fogo, perto de Chã das Caldeiras.
Já agora, conta-nos a história que em 1640 quando a ilha foi achada, foi-lhe dado o nome de São Filipe. Mais tarde, quando os navegadores portugueses regressam À ilha após contarem a novidade a sua majestade, dão com o Vulcão em erupção e dai surge, a Ilha do Fogo.
S. Filipe é agora a capital da ilha. Depois de subirmos ao Pico do Fogo, voltaremos à capital para descobrir a sua praia de areia preta e as suas casas coloniais. Por agora, resta-nos recolher as malas e arranjar transporte que nos leve, montanha acima, até à aldeia que se encontra situada no sopé do Pico do Fogo e onde passaremos os próximos dias.
A Subida para Chã das Caldeiras, na Ilha do Fogo
Estando a sorte do nosso lado e sabendo que ao domingo os alugueres eram muito raros, já nos tínhamos preparado para gastar os 7.000 escudos que nos custaria a viagem do aeroporto até Chã das Caldeiras. Mas apesar da viagem nos ter custado apenas menos 1.000 escudos do que esperado, o amigo taxista que o destino nos reservou, portou-se como se fosse o nosso guia, disposto a parar onde nos apeteceu fotografar e a explicar, durante a viagem, as curiosidades do percurso.
Foi ele que nos explicou que a viagem fica agora mais cara, uma vez que na última erupção a lava escorreu, cobrindo a antiga estrada que agora jaz submersa por toneladas de lava e que obriga a um desvio por entre caminhos poeirentos escavados entre muros de magna solidificado, pontuados pelas recentes reconstruções e pelo verde das videiras rasantes ao solo de cor cinza escuro.
Aqui parece que tudo nasce e frutifica. Vemos pelo caminho ainda batatas, feijoeiros e até alguns marmeleiros, cujo fruto mais tarde iremos provar e que nos apaixonou o paladar pelo travo característico, mas mais doce e suave do que os que conhecemos.
Em quase hora e meia de viagem conseguimos aprender muita coisa e aproveitar cada miradouro para fotografar e respirar um pouco de ar, que as curvas da rota podem ser impiedosas, para um estômago como o da Sandra que não se dá bem com estas aventuras.
Aqui estamos nós (Sérgio e Sandra), numa paragem estratégica à entrada do Parque Natural do Fogo. Vista fantástica, não é?
O carro percorreu as ruas improvisadas de Chã das Caldeiras e o choque de ver as casas engolidas pela lava foi enorme! Há rios de lava que, de vez em quando, são pintalgados pelos tetos brancos das casas engolidas. Parece que a erupção foi ontem. A lava escura encerra os terrores que os habitantes viveram há cerca de 2 anos.
Chã das caldeiras é uma localidade na cratera do vulcão, ligada ao mesmo de forma visceral. Em 2015 pouco restou da aldeia que foi invadida por lava. Ainda que tenham conseguido salvar os bens, as casas e as culturas foram arrasadas e é impressionante ver como de algumas apenas o teto restou, entre os muros que solidificaram ao seu redor, prendendo-as numa cela intransponível de material vulcânico.
Passámos no edifício que anteriormente albergou a Casa Alcindo que nos vai receber nos próximos dias. Todo o seu trabalho ficou assim enterrado apenas 3 meses depois de ter sido inaugurado. Assim é a vida por aqui, em terras de vulcão, esse mesmo pico que nos acompanhou desde a aterragem e que nos guiou ao nosso destino sem abandonar a sua imensidão. Por aqui a vida corre aos ritmos naturais sem que se saiba qual o ponto da caldeira que vai rebentar em fúrias, e qual a o trajeto da sua raiva.
A Sandra contemplando o Vulcão da janela do nosso quarto na Casa Alcindo
As erupções de 1951, 1994 e 2014/2015 são visíveis em rios de lava que com o tempo adquirem novas tonalidades e que escorreram pelas encostas guiadas apenas pela força da natureza. Num trago conseguem destruir ao seu redor os anos de suor das gentes da terra.
Mas como se diz por ali, foram eles que escolheram viver nas terras deste gigante e entregar-se assim à merce das suas vontades. É o vulcão que lhe benze as terras férteis, onde quase sem água tudo brota e o sol morno que brilha quase todos os dias que traz e deleita os visitantes das terras frias.
Por todo o lado a aldeia renasce a pouco e pouco e dezenas de crianças correm em alegres brincadeiras por entre as casas que novamente se vão erguendo.
Com a ajuda de todos a vida vai regressando. Ainda que os planos no governo passem por realojar os habitantes em zonas mais seguras da ilha, estes resistem, pois ali está o seu ganha pão, a terra que lhe dá o vinho e a comida de todas as horas. Recusam ficar reféns de um programa de cestas básicas e realojamento forçado para se entregarem de novo à terra que amam.
A Ilha do Fogo, além de muitas outras belezas, tem um vinho característico. Um vinho que na boca parece que transporta toda a força e calor do vulcão.
Há dois tipos de vinho:
Manecon: é o vinho característico do Fogo, produzido em Chã das Caldeiras através de um processo artesanal e tradicional. É um vinho encorpado, com personalidade e com um alto teor de álcool.
Vinho de Chã: é produzido na adega da Associação dos Agricultores da Chã das Caldeiras, por cerca de 30 agricultores. As videiras ocupam uma área de cerca de 120ha, principalmente nas encostas do vulcão.
As gentes destas terras são uma inspiração de resiliência, coragem e entregue à terra dos seus avós. Subiremos ao cume mais alto do Pico do Fogo, mas antes disso já alcançamos a admiração pelo trabalho árduo e entrega.
Por aqui a luz chega por painéis solares que não aguentam um secador, mas provamos o vinho, feito com o saber ancestral e a ardência do fogo e as frutas mais doces, olhando em volta o silêncio da aldeia que descansa para acordar, cedo, para mais um dia de trabalho.
Por aqui não há wi-fi mas sentimo-nos mais perto do céu…
São Filipe, a capital do Fogo
Depois de dois dias incríveis em Chã das Caldeira, sentindo o calor do vulcão debaixo dos nossos pés e subindo, majestosamente, até ao topo do Pico do Fogo, como aqui vos contaremos, regressámos a S. Filipe, para conhecer a cidade capital e mais cosmopolita da ilha.
Se para cima fomos de taxi, na descida conseguimos apanhar o aluguer matinal, junto com as crianças que, desde a destruição da escola na erupção e 2014/2015, descem das montanhas para ir à escola nas povoações vizinhas.
Padrão, em São Filipe. Daqui tens-se uma vista desafogada para o oceano Atlântico. Se repararem está uma “passarinha” sobre a esfera armilar, é o pássaro símbolo de Cabo Verde
Quase não conseguimos lugar para as mochilas. A época da vindima começou cedo e um senhor decidiu trazer as suas uvas para vender no mercado em S. Filipe. São potes e mais potes de uva branca. Quando pensámos que não cabe mais ninguém na Toyota Hiace, lá entra outro senhor, e outro, e mais outro… toda a gente se acomoda.
O centro de São Filipe fervilha a esta hora do dia. São 8 da manhã e as pessoas andam num rodopio, de cá para lá.
Há dezenas de pequenas lojas que se alinham nas ruas estreitas do centro histórico. Aqui tudo se vende. Os comércios amplos, de balcões corridos e albergam nas vitrines os produtos disponíveis. São o que resta de um passado colonial construído nestas paredes.
As ruas de São Filipe são debruadas por casas de sobrados. Os sobrados são habitações de madeira, construídas no tempo colonial, e que são uma das características da Ilha do Fogo. Damos uma volta pelo museu municipal instalado num desses antigos sobrados. Aqui conhecemos melhor o arquipélago e a ilha do fogo, tão fascinada com o seu vulcão para o qual olha com um misto de deslumbramento e pavor.
Vista interior do Museu Municipal, instalado num antigo sobrado.
Nesta cidade, como em tantas outras, somos atraídos para o seu mercado central, onde aproveitamos para comprar alguns tomates e fruta que nos servirão de acompanhamento ao jantar daquela noite na nossa mais recente morada nas Casas do Sol, onde a cozinha está à nossa inteira disposição depois de uma tarde passada na piscina e na praia de areia negra. E que bela tarde aqui passámos…
Vendedores de Peixe no centro histórico de S. Filipe, perto do Mercado Central.
Praia da Bila, uma extensa e lindíssima praia de areia negra, em São Filipe
- Transportes: para subir até Chã das Caldeiras temos duas opções: Taxi, que custa entre 6 mil e 7 mil escudos e alugueres, cujo preço anda à volta de 1000 escudos. Para subir o aluguer sai a meio da manhã de São Filipe e para descer o aluguer sai às 6:00 da manhã de Chã das Caldeiras.
- Um taxi do centro de São Filipe para o aeroporto custa à volta de 400 escudos (dependendo da hora do dia).
- Em Chã das Caldeiras ficámos alojados na Pensão Alcindo, um lugar tranquilo e com uma vista fantástica sobre o vulcão. O Alcindo e a Laetitia foram excelentes. Ajudaram-nos na preparação da subida ao vulcão e fizeram-nos comida deliciosa. Fica aqui o contacto deles: casaalcindofogo@gmail.com.
- Em São Filipe ficámos nas Casas do Sol, um hotel simpático com piscina, e acesso à praia. No dia de manhã, como saímos muito cedo, prepararam-nos breakfast to go 🙂
[…] Vulcão da Ilha do Fogo, em Cabo Verde, é um dos mais altos e ativos vulcões oceânicos. A ilha do Fogo eleva-se 2.829 […]
Parabéns pelo relato. Não há dúvida que tenho mesmo de voltar a Cabo Verde, principalmente para conhecer Santo Antão e o Fogo. Soube que a TACV deixou de fazer voos domésticos, tendo sido criada uma nova companhia… vocês chegaram como à ilha?
Filipe, obrigado pela visita e pelas palavras. A TACV ainda não deixou, mas está para breve, creio que a 1 de agosto. Toda a operação entre ilhas vai passar para a Binter. O governo de Cabo Verde vendeu a participação na TACV a esta companhia das Canárias. Pelo que percebemos a TACV vai ficar apenas com um avião para longo curso. Nós utilizámos a TACV para o Fogo, mas a Binter faz os mesmos trajetos. Também é possível ir de barco, mas os constantes cancelamentos e atrasos “obrigaram-nos” a utilizar o avião ? Tens de ir, nós viemos encantados. Nós adorámos o Fogo e Santo Antão. Santo Antão é excelente para umas valentes caminhadas, mais verde e mais fresquinha. Vamos fazer uns posts sobre o trekking lá, depois mando-te. Abraço.
[…] dia anterior já tínhamos vagueado por estas bandas, calcorreámos as ruas cobertas de lava e impressionámo-nos com esta imensidão negra, como aqui […]
Bom dia,
O que significa a palavra ‘djarfogo’? É outro nome para a Isla do Fogo? É um lugar dentro da ilha?
Obrigado,
Oliver
Olá Oliver,
Djarfogo significa Ilha do Fogo, em crioulo de Cabo Verde.
Abraço
Sérgio