Peru não é só Machu Picchu. Não são só os incas e as roupas coloridas. A par das montanhas existem os mares e os lagos, há estradas sem fim e até povos que vivem em ilhas flutuantes no Lago Titicaca. Chegámos à ilha de Uros, onde habita o “povo do lago”.
Depois das altitudes nunca antes experimentadas nas altas montanhas a caminho do Vale do Colca, a nossa viagem segue até Puno, capital do folclore no Peru e que todos os anos recebe o festival da Virgem da Candelária e ponto de partida para chegarmos às ilhas flutuantes.
Em Puno, cidade fundada em 1668, durante o mês de fevereiro de cada ano as ruas enchem-se de multidões de foliões em honra da virgem da candelária.
Declaradas em 2014 património imaterial da humanidade estas festas orgulham os locais, que afirmam serem as maiores, logo depois do carnaval do Rio. Apontamos na nossa agenda, um dia teremos de assistir a estas festas, pois dos relatos a curiosidade aumenta.



Chegámos à cidade ao entardecer e recebidos por um frio húmido e uma chuva miudinha. Estamos a cerca de 3800 metros de altitude, nas margens do lago navegável mais alto do mundo.
Confortado o estômago com algumas empadas de queijo, partimos logo para a agência de viagens mais próxima e marcámos o bote que no dia seguinte nos levaria à ilha flutuante de Uros. Estas ilhas são o ex libris da região e encontram-se suspensas nas águas do lago Titicaca, que se divide entre o Perú e a Bolívia, e que onde mais tarde regressaremos.
O dia estava cronometrado ao minuto. Logo pela manhã saímos e já o guia nos esperava. Na algibeira levámos já os bilhetes que nos permitiriam ir, ao final da tarde, de autocarro até Copacabana, na parte boliviana do Lago.
Mas voltando às ilhas, a verdade é que estas nos impressionaram, a despeito do circo turístico que é montado à sua volta e do passeio de canoa tradicional.
Mas as ilhas, assim construídas, e a forma de viver do povo são marcantes.
A ilha de Uros são feitas de totora, uma planta que cresce no lago. Depois de arrancada permite uma flutuação imensa, serve também para revestimento das mesmas e ainda vem alimentando o povo ao longo dos anos. Disseram-nos que estas ilhas foram a solução encontrada pelo povo, que fugindo dos trabalhos forçados encontrou nas águas do lago o refugio perfeito, mas claro que por estas bandas há sempre mais que uma versão da mesma história.
Hoje as ilhas têm ancoras rudimentares feitas pelos próprios habitantes, mas nos idos tempos, não raro com a agitação das águas a ilha viajavam no lago, acabando no lago errado do lago, ou seja na Bolívia, circunstância na origem de problemas sérios.
Atualmente, os Uros não são muito mais de 2 mil, mas as suas raízes, dizem, são mais antigas do que as dos Incas. Mais, consta-se por cá que Uros surgiu até antes do sol, numa altura em que a Terra era um lugar gelado e sem luz.
Graças ao “sangue negro” dos seus elementos, que os protege do frio, que conseguiu sobreviver. Depois, séculos mais tarde, vieram os Íncas e também os colonizadores espanhóis. Ambos os povos “colonizadores” consideravam os Uros uma raça mais fraca, logo, ambos quiseram subjugá-los à sua vontade… Hoje, os Incas já não existem, e os colonizadores espanhóis regressaram à “santa Europa”, só os Uros cá continuam, sobre as águas, é verdade, mas fieis às suas origens.
Para além da beleza óbvia que os olhos contemplam, a fusão entre a natureza e as necessidade humanas de sobrevivência é o elo com que nos brinda esta visita. Entramos nas suas casas, entramos com genuína surpresa nas suas vidas. Tentam a custo vender-nos algum do seu artesanato…
Aqui há um povo e um povo e o seu lago. Uma simbiose perfeita. Do lago o povo retira retira o essencial à sua vida, o seu sustento. Comungam de uma união etéreo, de contornos sagrados. As crianças correm felizes pela estreita ilha, sem medo da água, vivem dela rodeadas e em estreita alegria.
E depois claro, enquanto uns trabalham…