Chegamos à Cidade Velha, já o sol se escondia por detrás da Ilha do Fogo. As cores quentes davam um toque dourado à silhueta do vulcão, que daqui, da Ilha de Santiago, não é mais do que um pequeno cone que desponta, mais além no oceano Atlântico.
Está uma tarde fantástica, com as temperaturas a amainarem e as pessoas a juntarem-se na praça, nos cafés, à beira-mar, onde quer que pudessem desfrutar da maresia que entra terra adentro.
Neste recanto verde da ilha, é fácil perceber porque é que os navegadores portugueses, no Séc. XV (1460) ficaram encantados com esta enseada. Deram-lhe o nome de Ribeira Grande, pela fonte de água potável que escorria entre as montanhas empoeiradas.
Ribeira Grande foi a primeira cidade do mundo construída por europeus nos trópicos, tornando-se a primeira capital do arquipélago. Em 1770 a capital do arquipélago foi transferida para a Praia de Santa Maria, a atual Cidade da Praia.
Percorremos as barracas de souvenirs e comida que se alinham na praça do Pelourinho. Os vendedores senegaleses tentam captar a nossa atenção. Por enquanto centramo-nos no Pelourinho que é o ator principal nesta pequena praça. Erguido em 1520, este velhote de rocha ainda hoje se mantém de pé. Foi testemunha da ascensão e da queda da sua cidade. Viu escravos serem arrancados e comercializados como se uma qualquer mercadoria se tratasse, viu muita coisa e ainda é testemunho desses dias gloriosos e dos outros que envergonham qualquer ser humano.
Ouvem-se as ondas que se enrolam na areia e os miúdos que entre uma futebolada dão um mergulho no mar.
E foi por causa do mar que esta cidade foi aqui erigida. Durante séculos a Ribeira Grande, hoje a Cidade Velha, teve um papel preponderante, servindo de ponto de abastecimento para o comércio de escravos entre África e América.
Por aqui passaram navegadores e aventureiros, padres e cavaleiros, em busca de fama, glória e almas perdidas. Foi porto de escala de dois dos maiores vultos da época, o navegador Vasco da Gama, que aqui atracou em 1497 na sua viagem de descoberta do caminho marítimo para a Índia, e um ano mais tarde Cristóvão Colombo na sua terceira sua terceira viagem para as Américas.
Perguntamos onde começa a Rua Banana, apontam para uma rua a 50 metros da praça. Metemos pela enigmática rua, afinal a Rua Banana, que conduz à Igreja de Nossa Senhora do Rosário, foi a primeira rua de urbanização portuguesa nos trópicos.
Os anos passaram mas mantém o charme de então.
Trocamos algumas palavras com os cabo-verdianos que aproveitam a frescura de final de tarde. A rua desemboca numa autêntica jóia viva da história e do património português além mar, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Erguida em 1495, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário é a mais antiga igreja colonial do mundo. Aqui pregou o Padre António Vieira, quando em 1652 passou pelo arquipélago, quando regressava ao Brasil. Aportou por aqui, por acaso, em consequência de um naufrágio e num rasgo lá dispara uma das suas pregações: “Há aqui padres tão negros como azeviche. Mas só neste particular são diferentes dos de Portugal, porque tão doutos, tão morigerados, tão bons músicos que fazem inveja aos melhores das melhores Catedrais de Portugal”.
A cidade da Ribeira Grande desempenhou um papel importantíssimo na altura dos descobrimentos e no apoio às rotas marítimas para a América e para o sul de África, permitindo o reabastecimento de água e de alimentos frescos, e as reparações navais. As ilhas serviram ainda como laboratório onde se experimentavam e aclimatavam diversas espécies agrícolas e animais, europeias e africanas, que foram introduzidas no continente americano, e outras, oriundas deste, que transitaram para a África e a Europa.
Sucessivas incursões corsárias roubaram a riqueza e a importância à Ribeira Grande. Em 1712, o corsário francês Cassard deu-lhe o golpe de misericórdia. Apoiado por Louis XIV, que o incumbiu da missão de cometer “todos os actos de hostilidades possíveis nas colónias inglesas, portuguesas e holandesas”, incendiou e arrasou a Cidade Velha. As ruínas da Sé estão lá para o provar…
É verdade que hoje, esta cidade, é uma miríade do seu passado, passou da Ribeira Grande à Cidade Velha, perdeu a fama mas ganhou um lugar na História.
O Lindo já nos espera na Praça do Pelourinho. Olho para uma foto antiga da Cidade Velha, dos seus monumentos deitados ao abandono, esquecidos. Mas, nos finais da década de 1980 o governo cabo-verdiano apostou na recuperação da cidade, em estreita colaboração com o governo Português e Espanhol. O reconhecimento do valor histórico da cidade e do investimento na recuperação do seu património chegou em 2009 quando a UNESCO classificou a Cidade Velha como Património Mundial da Humanidade.
A Cidade Velha é um dos 948 sítios considerados património da humanidade que existem em todo o planeta e é um dos dois que existe na África Ocidental.
Olhámos para trás, deitamos um último olhar sobre o Real Forte de São Filipe que século após século vigia a sua Cidade, ora vitoriosa, ora Velha, mas sempre formosa.